Filosofia X Teologia
Antes de mais, não vejo sentido em propor uma rivalidade entre as ciências Teologia e Filosofia, apesar de saber que ela existe para aqueles que as veem como antagônicas e polares. Pois, teologia e filosofia, religião e conhecimento, estão mutuamente relacionados (TILLICH, 1992). Isto pode ser testado a partir da questão do significado do ser, que preocupa todo ser humano. Todavia, se nos debruçarmos na longa discussão quanto à relação entre teologia e filosofia, parece ficar claro que não faz sentido fazer a apreciação dos papeis de cada ciência. O que devemos fazer, como em todo fenômeno relacional, é verificar o momento ou a importância do tipo de relação à que as duas ciências estão submetidas de época para época e com quais critérios podemos fazer tal verificação (MCGRATH, 2005).
Talvez a maior importância de todo o pensamento a este respeito não seja meramente a grande relevância de seu caráter normativo, mas muito mais, a impossibilidade de tratarmos esta questão sem antes declararmos as bases ou os pressupostos de que previamente lançamos mão ao tratá-la, o que determinará em última análise nossa visão.
Consideradas no universo das disciplinas metodológicas (inseridas no universo das ciências do pensamento, do ser e da cultura), a filosofia é o fundamento de todo sistema das ciências; a metafísica é o esforço de expressar o incondicional em termos de símbolos racionais; e a teologia é a metafísica teônoma. A teologia reivindica que o caráter teonômico do pensamento, ou seja, o pensamento como tal está enraizado no absoluto como o fundamento e abismo do sentido. A teologia toma como seu explícito objeto aquilo que é pressuposto implícito de todo conhecimento. Dessa forma, teologia e filosofia, religião e conhecimento estão mutuamente abraçados. Enfatizando a relevância existencial da relação entre filosofia e teologia, chegamos a dizer que a filosofia faz de um modo novo e radical a pergunta cuja resposta é dada à (e não pela) fé na teologia (TILLICH, 1992).
A questão da relação entre filosofia e teologia tem sido muito discutida em nosso contexto contemporâneo, porque ela, em última análise, se relaciona com a questão da “filosofia primeira”, envolvendo o retorno à metafísica – uma questão considerada hoje como ultrapassada e fora de uso. O prefixo transcendental “meta” na palavra metafísica é empregado para designar algo fora ou além da experiência humana, aberto à imaginação arbitrária, apesar de todo o mundo saber que significa apenas o livro que vem depois da física na coleção de Aristóteles (TILLICH, 1992).
Quanto a isso, devemos dizer o seguinte: a questão do ser, que é a questão da filosofia primeira ou fundamental, refere-se ao que está mais próximo de nós do que qualquer outra coisa. Trata-se de nós mesmos na medida em que somos e na medida em que sendo seres humanos, somos capazes de perguntar o que significa esse fato de que somos. Já é tempo sim de abandonarmos a palavra “metafísica”, abusada e deformada. Mas hoje a negação da metafísica transformou-se em desculpa para propósitos pesados de modelos desarticuladores das possibilidades humanas e para a terrível superficialidade do pensamento, em face do qual a mitologia primitiva se mostra extremamente profunda (TILLICH, 1992).
O mesmo pode ser dito quanto à religião, tanto a crítica teológica como a crítica científico-filosófica com respeito à questão de que a religião é um aspecto do espírito humano, definem a religião como a relação do homem a seres divinos, cuja existência os teólogos afirmam e os científicos negam. Mas é exatamente esta ideia de religião que a torna impossível de qualquer compreensão. Não se chega a Deus com a questão se Ele existe ou não existe. Aliás, o afirmar que ele existe, nos faz mais distantes dele do que negá-lo. O Deus cuja existência ou não-existência possa ser discutida torna-se uma coisa ao lado de outras que integram o universo de objetos existentes. Se for assim, se justifica tanto afirmá-lo quanto negá-lo. É lamentável que os cientistas creiam ter refutado a religião quando apenas conseguiram demonstrar que não há prova alguma para a hipótese de que exista tal ser. Infelizmente, muitos teólogos e religiosos leigos que insistem em opinar sobre o assunto caem no mesmo erro. Começam sua mensagem com a afirmação de que há um ser superior chamado Deus, cujas revelações eles têm recebido, dando-lhes autoridade. Esses teólogos ou pregadores são mais perigosos para a religião do que os chamados cientistas ateus. São eles os que dão os primeiros passos no caminho que conduz inevitavelmente ao ateísmo. Teólogos que tornam Deus um ser superior que dá a alguns indivíduos informação sobre si mesmo, provocam a inevitável resistência daqueles a quem dizem que devem submeter-se à autoridade de tais informações (TILLICH, 1992).
A Religião não é uma função especial da vida espiritual do homem, mas é a dimensão da profundidade em todas as suas funções. Ela não é moralidade ética, nem conhecimento puro, não é estético ou arte, nem mero sentimento subjetivo. A religião não precisa procurar por um lar. Está em casa em qualquer lugar – está na profundidade de todas as funções e na totalidade da vida espiritual do homem – naquilo que é último, infinito, incondicional de nossas preocupações (TILLICH, 1992). “Para onde nos ausentaremos de sua face?” Como tal, não é rejeitável, pois só poderíamos fazê-lo em nome dela mesma. E é a partir deste prisma fundamental do olhar que tanto a filosofia quanto a teologia devem realizar suas tarefas (LIVINGSTONE, 1999).
Por isso, a teologia pode sim caminhar junto à filosofia, a teologia buscando os fins transcendentais e a filosofia buscando o conhecimento para se chegar a esses fins. Só não admitirá isso, aquele que de qualquer lado não quiser sair da caverna e não admitir que seus pares saiam também (MCGRATH, 2005). Todavia, São Tomás de Aquino e Santo Agostinho esclarecem bem esses pontos. Tomás se distingue de Agostinho na maneira de relacionar filosofia com teologia, em suma, a moral tomista é essencialmente intelectualista, realista e aristotélica o conhecimento se dá a partir da realidade empírica, ao passo que a moral agostiniana é voluntarista, idealista e platônica quer dizer, a vontade não é condição de conhecimento, mas tem como fim o conhecimento e ele acontece a partir do sensível da espontaneidade. A ordem moral, pois, não depende da vontade arbitrária de Deus, e sim da necessidade racional da divina essência, isto é, a ordem moral é imanente, essencial, inseparável da natureza humana, que é uma determinada imagem da essência divina, que Deus quis realizar no mundo. Desta sorte, agir moralmente significa agir racionalmente, em harmonia com a natureza racional do homem (ROBERTS, 2008).
Então, quer teólogos, quer filósofos não admitam; religião e conhecimento estão intimamente ligados, e juntos podem muito bem trabalhar em favor do maior bem existente na terra, o ser humano. Digladiarem sobre quem tem razão, quem está certo ou errado é mais uma deturpação daqueles que só puxam a brasa pra sua sardinha e na maioria das vezes são totalmente leigos, não conhecendo nenhum dos lados (TILLICH,1992). Quando conhecemos os dois lados, admitimos as diferenças e propósitos de cada uma das ciências em questão, contudo isso não quer dizer que não possam caminhar juntas cada qual com sua função ajudando-se mutuamente (ROBERTS, 2008).
‘Examinai tudo, retende o bem, abstende-vos de toda a aparência do mal’. Isso são filosofia e teologia juntas, e Paulo sabia disso, ele conhecia as funções do conhecimento e da religião, por isso, ele respeitou os limites de cada uma, contudo, conhecia a importância que cada uma tinha para a outra, por isso ele sita alguns filósofos como Menandro, “As más conversações corrompem os bons costumes”. Menandro, viveu entre 342 a 291 a.C., nada mais era do que o principal autor da comédia nova, última fase da evolução dramática Ateniense. Menandro escreveu mais de cem comédias, usando os recursos da filosofia, ou seja, do conhecimento que envolvia razão, fé e tragédia cômica (DIAS, 2009). Paulo colocou um comediante na Bíblia e parte de seu ideário. Isso prova que há como coexistir com as duas ciências, sim. Outro filósofo citado por Paulo é o poeta Epimênedes (Tito 1.12), interessante que Paulo cita um trecho do poema Phaenoma de Arato, que diz respeito a Zeus, com a intenção de converter os atenienses ao Deus verdadeiro (Atos 17.28). O texto original diz assim: "Comecemos com Zeus, sobre quem nós, mortais, deixamos de falar. Cada rua e cada praça estão plenas de Zeus. Até o mar e os portos estão cheios de sua divindade. Tudo o que existe é por causa de Zeus. Nós somos descendência dele." Paulo sabiamente usa estes conhecimentos para ter crédito ante os atenienses, muitos pregadores hoje em dia rejeitam os conhecimentos seculares, vão ter dificuldades para sobreviverem.
Por fim, quando ouvimos ou lemos pseudos teólogos, pregadores, filósofos ou qualquer cientista das humanidades, desesperadamente tentando separar uma ciência da outra, o que vemos é um fundamentalismo e fundamentalistas preconceituosos, seguido de total desinformação e desconhecimento dos papeis das respectivas ciências em voga. Paulo, não tinha vergonha de conhecer a cultura de sua época, as ciências existentes, ele não as rejeitava só por que o ser humano que a desenvolveu não era da cultura judaico-cristã, principalmente quando isso facilitava a integração com seus ouvintes e facilitava a comunicação do evangelho. E é assim que pensamos que devemos ver o relacionamento teologia-filosofia na igreja, e na evangelização, um facilitador da comunicação do evangelho (DIAS, 2009). Pois, filosofia ou pregações embasadas nos contos do boi Tatá e na mula sem cabeça, e mitos, e místicas semelhantes não convencem mais ninguém, os tempos são outros os conhecimentos se desenvolveram, pregadores e filósofos têm que seguirem o conselho do mestre Jesus: “Errais por não conhecer as escrituras e nem o poder de Deus.”
Professor Nilton Carvalho é Historiador, Especialista em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), Teólogo e mestrando em Ciências da Religião.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, Natanael e Simone Dias. A serviço D´Ele: O Teatro na Bíblia disponível em:
http://simoneparaguai.blogspot.com/2009/05/o-teatro-na-biblia.html: Acesso em 28/03/2011.
LIVINGSTONE, D.N; HART, D.G; NOLL, M. A. Evangelicals and Science in Historical Perspective. Oxford: Oxford University Press, 1999.
MCGRATH, Alister E. Fundamentos do diálogo entre Ciência e Religião. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
PLENITUDE, Bíblia de Estudo, Barueri – SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2001.
ROBERTS, Michael. Evangelicals and Science. London: Greenwood Press, 2008.
RYRIE, Charles C., A Bíblia Anotada: edição expandida. Ed. Revista e expandida, São Paulo – SP: Mundo Cristão; Barueri – SP, Sociedade Bíblica do Brasil, 2007.
TILLICH, Paul. A era protestante. São Paulo, Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião – São Paulo. Traço a Traço Editorial, 1992.
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